sexta-feira, 20 de junho de 2014

XLIII

posso colocar pra tocar aquela velha música essa noite. posso começar a colecionar papéis de carta e jogar fora todas aquelas folhas mortas que venho guardando entre uma página e outra dos meus livros. posso dizer que li Machado e dormir no começo do livro, posso fingir que a luz das estrelas me lembram teus olhos, mas ainda assim preferir a luz do dia. posso dizer, pela milésima vez, que não sei o motivo das pessoas ficarem tão tristes e se doerem tanto pelo que não é da conta delas. posso engolir meu orgulho e perguntar como tu tens passado. eu também poderia começar dizendo que eu tenho muita coisa pra falar e não sei por onde começar. mas a verdade é que eu sei, sim, mas me guardo no direito de começar te mandando pro inferno. se bem que, o inferno é exatamente bem aqui. que tu saibas que eu soprei minhas velas e desejei que o mercúrio fosse um pouco menor do que realmente é. aquela infinitude era sombra pras minhas palavras ao vento e pra minha solidão. falando em velas, não é o brilho das estrelas que me lembram teus olhos, são as luzes dos postes e o amor exposto em olhos que sorriem. temo que tu saibas. temo ter rasgado e comido a sua alma como eu faria com uma caça. as árvores "daquela" rua estão sem poda, mas se eu as podasse, em um domingo, aquele lugar seria um plano passarinho na frente da minha vontade que tu volte e pouse aqui, novamente. conservo o porão do meu corpo, com medo de jogar essas tuas tralhas foras. tua voz, teu cheiro, tuas ervas, tua barba mesquinha, tua camisa que não foi passada naquela manhã - na verdade, nenhuma foi. querido, teu livro, aquele, tem cor e cheiro de sangue. volte e limpe-o. volte e me olha, faz de conta que eu sou teu fado, que eu sou essa elefantíase sem cura e que eu te cresci e amadureci o coração. finja, ao menos. eu queria te dizer, que espero que tu acorde desse pesadelo molhado e se case com a sua garota. recomece tua vida. mas por favor, recomece sem mim. não vou chegar cedo nesse teu destino infalível, e não quero avisar. talvez eu nunca chegue, querido, e tu chore quando ler outro verso clichê e exagerado. ei, querido, te admiro. mas tenho medo que essa admiração acabe quando eu tomar vergonha na cara e seguir os conselhos de quem tem experiência em te abandonar. porque, querido, tudo tem gosto de cemitério entre a gente. espero que todas as cinzas das minhas cartas sejam parte do seu misto quente e que minhas lágrimas salpique, e que a gente se cruze, numa avenida qualquer. queria dizer-te que senti orgulho de mim mesma porque alguma coisa sua ficou embaixo da cama, e quer saber? eu não olhei. eu dormi mesmo assim, tremendo, chorando, mas eu não olhei. o meu coração não é teu, adianto. eu quero te dizer, inclusive, que não publiquei as poesias de hoje. que escrevi nas paredes da minha mente, uma vez, que eu não queria que tu tivesses ido embora. em outras palavras, claro. nunca fui tão firme assim. a lua e as nuvens adquirem várias formas e é assim que tu e me és. de lua. indefinível feito uma nuvem, que chove e vai embora pra outra esquina, conhecer gente mais interessante, inundar e salvar o dia de algumas, mas tu morres nos meus braços e na minha pneumonia, porque eu só gosto da chuva quando ela está dentro de mim. e eu sei que tu não tens forças pra ir até a próxima esquina, mas eu deixo tu te agonizar aqui perto, eu faço de tu o meu céu. o combinado é esse: tu te achega aqui e corta no meio dos meus dedos, ou então quebra a droga dos mesmos e calcifica a nossa inimizade. mas acontece que apenas o teu toque me faria sarar de tanta coisa. ah, querido, tu nem imagina. teu canto seria melhor que um sanguessuga no tempo em que o sangue doente das pessoas precisava alimentar uma outra criatura macabra. parece bem com a nossa história, mas os dois morreriam. nada mal pra dois estranhos, não é mesmo? relação estranha, pra ser mais precisa. eu não olhei pros monstros essa noite com medo de te ver em alguns deles. malditos olhos castanhos que podem ser de qualquer um, menos teus. mas fica e faz de conta, seu idiota, faz de conta que tu me amas. fica, se tu tens punhos firmes e palavra de honra. porque eu não tenho mais coragem de acreditar.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

XLII

me silencio
e engulo as palavras
pra preencher o vazio

XLI

por entre campos largos
andava José
que negava até o apelido
que a vida havia lhe dado:
Zé!

talvez por isso,
não tenha aprendido a voar
porque pássaro 
de uma asa só 
não voa

e José,
que pro mundo era
apenas Zé,
seguiu a vida sendo
só metade do que é

XL

sofro por tu
ao ver-te as cicatrizes,
minha sul-américa-latina

onde deixas-te
tua dignidade, 
te prendem 
com uma tropa de
mariners
que te castram à vontade

minha central-américa do mundo,
onde está o último cadáver imundo
do teu último herói?

XXXIX

ser do sol
só ser
um ser do sol

só se dar, 
em tudo estar
não só ser,
só ser sol

estar no verde
monte
que fica
em cada horizonte

e ser cogumelo,
crescer de relance
surgindo mutante,
não alienante

só ser sol
harmônico
ondulante

XXXVIII

o sol 
pede um bocado
de céu claro
e azul
como tu gosta

e eu 
peço um cadinho
de teu gosto
claro e azul
pra ser teu sol

XXXVII

joana encheu sua mochila
com as dores dos outros
e seguiu viajem;
só assim esquece 
as próprias.

coitada.